Cliquei aqui para acessar documento na íntegra.
No último dia 19 de março, famílias da comunidade do Porto do Capim foram surpreendidas com notificações de desocupação a serem cumpridas em um prazo de 48h. O procedimento está associado às obras do “Parque Ecológico do Sanhauá”. Contudo, nessa mais nova manobra, a Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP) desconsidera um importante processo de cinco anos de diálogo. Além do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento da Paraíba (IAB.pb), acompanharam e mediaram esse diálogo o Ministério Público Federal (MPF) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) que, desde 2014, estão envolvidas nesse processo de construção coletiva.
Em 2017, conciliadas pelo MPF, comunidade e Prefeitura chegaram a um acordo. A desocupação das áreas de risco ocorreria quando a PMJP construísse moradias dignas para onde famílias seriam transferidas, em áreas alocadas para esse fim, nas proximidades da própria comunidade. A partir daí teriam início as obras de requalificação na região do Porto do Capim.
Diante da solicitação da comunidade de que a Prefeitura fizesse adequações no projeto para construção de moradias, a Secretaria Municipal de Habitação Social (SEMHAB) encerrou unilateralmente as negociações e não retomou o diálogo. Instado pela comunidade, o MPF contactou a PMJP, que informou que apresentaria outra proposta para solução das moradias. Contudo, a PMJP não se posicionou sobre a solicitação, motivo pelo qual as recentes notificações surpreenderam negativamente a comunidade do Porto do Capim e o próprio MPF.
Em face às últimas notícias, o IAB.pb vem a público manifestar todo seu apoio e solidariedade às famílias envolvidas e à toda a comunidade do Porto do Capim, além de colocar em perspectiva alguns pontos:
- Em relação à transferência dos moradores, deveriam ser consideradas as características da ocupação para definição dos parâmetros urbanísticos e ambientais, tal como indica a legislação que trata da regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente (APP). Portanto, o projeto para acomodação das famílias deveria ter sido elaborado de maneira participativa e ser executado no entorno imediato da ocupação, tal como ficaram acordadas as negociações entre a comunidade e a PMJP;
- A atual proposta de relocação prevê que parte da população do Porto do Capim seja transferida para conjuntos habitacionais ainda em obras e distantes de seu território, potencializando, assim, o conflito com outros grupos sociais também historicamente vulneráveis.
- Na apresentação da proposta do “Parque Ecológico Sanhauá” – realizado na manhã do dia 21 de março, durante a solenidade de assinatura da ordem de serviço das obras -, não ficou claro de quem é a autoria do projeto, bem como seus responsáveis técnicos. Além disso, as imagens divulgadas eram incipientes e não ofereceram condições de análise para compreender questões técnicas importantes, tanto arquitetônicas quanto urbanas;
- É importante que sejam transparentes os detalhes sobre o processo que levará à execução da proposta, tais como: processo de licitação da obra, modalidade, se o certame foi feito com o projeto arquitetônico urbanístico completo, valor do investimento e fonte de financiamento;
O IAB.pb acredita que o atual projeto do “Parque Ecológico Sanhauá” é anacrônico no sentido em que possui um discurso higienista, fortemente gentrificador. Deste modo, desconsidera a memória da comunidade tradicional ribeirinha e o seu tecido social, expulsando-a do território na qual está inserida, prevendo exploração turística como motor do desenvolvimento econômico.
Prezando pela democratização dos processos, pela qualidade nas intervenções urbanas e pela ampliação das oportunidades de atuação de arquitetos e urbanistas, defendemos também o Concurso Público de Projetos como uma modalidade eficiente e transparente a ser aplicada nessa e em outras áreas de valor cultural da cidade de João Pessoa.
João Pessoa, Paraíba, 23 de março de 2019
Pedro Freire de Oliveira Rossi
Arquiteto e Urbanista
Presidente do IAB.pb