O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) é uma entidade federativa de livre associação e sem fins lucrativos, que congrega profissionais de arquitetura e urbanismo de todo o país, com uma história de quase um século (fundado em janeiro de 1921).
Com o objetivo de informar e alertar a sociedade sobre as políticas de preservação dos imóveis de valor patrimonial da cidade de Campina Grande e chamar atenção para a necessidade de providências para recuperação do antigo Cine Theatro Capitólio, o IAB – DEPARTAMENTO DA PARAÍBA faz as seguintes considerações:
Sobre o edifício, historiando o processo, ponderamos:
- Inaugurado em 1934, o Cine Theatro Capitólio, com capacidade para 850 pessoas, era um dos maiores e mais modernos equipamentos culturais do estado e da região;
- Os desenhos e fotos da época comprovam ter sido um importante exemplar Art Déco da cidade, que juntamente com os outros edifícios da área central representam um acervo do estilo reconhecido nacionalmente. Desde a sua inauguração, o edifício sofreu diversas reformas que descaracterizaram consideravelmente sua configuração primitiva;
- Restou do projeto original o espaço interno da platéia e sua “caixa” externa, porém com a subtração dos ornamentos da caixa cênica situada na face da Rua 13 de Maio. O edifício ganha elementos modernos na fachada norte;
- A aquisição do edifício pelo poder público municipal se deu em meio a um processo de requalificação do centro realizado pelo mesmo, denominado Campina Déco. Este projeto, além da recuperação das fachadas dos edifícios Déco, contemplou a reforma dos passeios públicos, mobiliário urbano, sinalização e a realocação dos comércios para as denominadas ARCCAs (Área Comercial e Cultural ao Ar Livre), construídas em vazios urbanos do centro. O projeto previa a demolição do Capitólio para a implantação de ARCCA no local.
- É neste momento (1999), que a demolição é impedida por medida judicial liminar movida pela Curadoria do Patrimônio Público, Cultural, Estético e Paisagístico e dos Direitos Humanos da comarca de Campina Grande. No mesmo ano, o imóvel é cadastrado pelo IPHAEP a pedido da Associação dos docentes da UFPB. O tombamento se dá por decreto estadual em 11/02/2000. Destaca-se que o texto do tombamento não faz nenhuma menção às características artísticas materiais do edifício. Todos os argumentos são do campo dos valores históricos;
- É importante salientar que o tombamento do Capitólio é anterior à delimitação, também pelo governo estadual, da poligonal denominada de Centro Histórico, no ano de 2003, onde o edifício em questão está inserido;
- Durante muitos anos fechado, o imóvel vem enfrentando um contínuo e acelerado processo de deterioração por falta de uso e manutenção. Destacamos que a responsabilidade pelo zelo e manutenção dos imóveis urbanos é do proprietário, no caso a Prefeitura Municipal de Campina Grande;
Sobre a proposta de intervenção apresentada pela atual gestão municipal, ponderamos:
- O projeto é fruto de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Em que pese a avaliação positiva do trabalho à época da sua defesa, é importante refletir sobre os limites da natureza de qualquer trabalho acadêmico;
- O TCC foi desenvolvido há dez anos, certamente considerando o estado do edifício à época. É importante que o projeto atual considere o estado atual da edificação;
- O projeto propõe uma parceria público-privada para a viabilização da obra, mas as contrapartidas do investidor não estão suficientemente publicizadas. É importante, para o bem do patrimônio coletivo, que estas regras sejam debatidas com a sociedade e que o tipo de uso garanta o caráter público da edificação;
- Por se tratar de um edifício público, entendemos que a obra deve obedecer o que preconiza a Lei de Licitações Federal (Lei 8.666/93), que obriga a contratação pública de projetos por critério de qualidade (preferencialmente por meio de concurso público) e a execução da obra por menor preço;
- Projetos de grande impacto social, ambiental, cultural e econômico, como é o caso do Capitólio, tornam o debate com a sociedade civil necessário e imprescindível. A proposta de intervenção pleiteada foi apresentada a grupos limitados, sendo pouco debatida e discutida no que concerne às suas questões conceituais e técnicas.
Sobre o posicionamento do IPHAEP desde a submissão da proposta para apreciação:
- O IPHAEP é o órgão responsável pela tutela e salvaguarda dos bens tombados em nível estadual. O imóvel em questão possui tombamento individual, além de estar inserido em poligonal protegida. Portanto, como prerrogativa legal, qualquer intervenção deve ser analisada e autorizada por este Instituto;
- A proposta de intervenção apresentada pela prefeitura para o Capitólio foi protocolada e sujeita à avaliação da equipe técnica do IPHAEP pela primeira vez em novembro de 2010 (processo N.° 0412/2010). O projeto foi indeferido pela CAE (Coordenadoria de Arquitetura e Ecologia) sob a justificativa de que suas soluções arquitetônicas não se adequam à legislação vigente (utilização de materiais inadequados nas fachadas, alteração da volumetria do imóvel e da coberta, publicidade abusiva);
- Após reunião do Conselho de Cultura Municipal de Campina Grande, a Prefeitura Municipal apresenta nova proposta arquitetônica, mais uma vez indeferida em outubro de 2015, uma vez que nenhuma das exigências contidas no parecer da CAE ou do relator foram atendidas;
- Por ser um bem tombado individualmente, o projeto foi levado à votação no CONPEC (Conselho de Proteção dos Bens Históricos Culturais) por duas vezes, em 15/12/2010 e 03/11/2015, onde foi novamente indeferido por seus membros;
- Sobre os critérios utilizados para avaliar o projeto, em que pese as limitações do aparato legal do instituto, ponderamos que não há menção a aspectos projetuais ancorados na intervenção mínima e na reversibilidade. Aspectos consagrados nas teorias de intervenções em edifícios de valor cultural presentes em diversos tratados e cartas patrimoniais internacionais.
Ciente dos apontamentos acima, o Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento Paraíba, em seu papel estatutário e histórico de defesa da Arquitetura e Urbanismo, vem por meio desta carta alertar e convocar a população e as esferas responsáveis para aprimorar o debate sobre o futuro do Cine Theatro Capitólio.
Prezando pela democratização dos processos de requalificação de bens de relevância patrimonial, pela qualidade nas intervenções urbanas e pela ampliação das oportunidades de atuação dos Arquitetos e Urbanistas, defendemos também o Concurso Público de Projetos como uma modalidade eficiente e transparente a ser aplicada a este e outros bens culturais da cidade de Campina Grande.
João Pessoa, Paraíba, 23 de maio de 2018
Pedro Freire de Oliveira Rossi
PRESIDENTE DO INSTITUTO DE ARQUITETOS DO BRASIL DEPARTAMENTO DA PARAÍBA